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Visitando uma ilha na zona sul da cidade

Adriana Terra

30/07/2018 09h02

Não é bem uma ilha, mas uma península. Na qual você chega pegando um ônibus na Estação Grajaú, na zona sul, e descendo em uma espécie de portal, na beira da represa Billings, onde pequenos comércios com letreiros pintados à mão vendem camarão frito, caldos, açaí. Dali, a cinco minutos de balsa — travessia gratuita –, fica a Ilha do Bororé.

Meu passeio até lá foi guiado por uma amiga jornalista que trabalha com agroecologia, a Carol Ramos, criadora do projeto Boraplantar, mutirão de plantio para recuperação das matas ciliares às margens de rios e nascentes do Estado de São Paulo que já vem realizando atividades na Ilha desde 2014. Há algum tempo ela vinha me falando sobre a importância de, ao se falar de São Paulo a pé — dessa percepção mais humana da cidade –, se falar também de São Paulo verde.

"Quando a gente atravessa a balsa e chega na ilha, a gente tem outra perspectiva de São Paulo. É uma São Paulo onde ainda resta floresta, a temperatura é outra, a paisagem é mais antiga. E acho que tem uma efervescência cultural muito interessante na zona sul. Você vê que são pessoas que moram em um lugar que tem uma outra geografia, que tem outro tipo de relação comunitária", diz ela. "Fazendo esse passeio a gente entende melhor de onde vem a água, entende como são diversas as vizinhanças e os bairros, e entende que existe muita cultura — inclusive cultura socioambiental — nas periferias."

A Ilha do Bororé é, desde 2006, uma APA (Área de Proteção Ambiental) que guarda riquezas da vegetação da mata atlântica. É, também, um lugar em que a alteração de cenário dentro de São Paulo é gritante. A 30 km do centro da cidade, tudo muda lá, a começar pelo ritmo.

Nossa primeira parada ao chegar na ilha é a Casa Ecoativa, logo na beira da represa, um espaço voltado à promoção do acesso à cultura e a práticas sustentáveis. Lá se planta, são ministradas oficinas interdisciplinares, realizadas festas e saraus. Enquanto observa os filhos brincarem na programação de férias do local, Marina — que antes de morar lá trabalhava no Itaim Bibi — conta que os antigos colegas não acreditaram quando disse que, para chegar na sua nova casa, era necessário tomar uma balsa. "Eles precisaram vir aqui conferir", diz ela, que hoje tem um comércio na ilha.

Não que a vida ali seja das mais fáceis. Nem que a represa, linda ao se observar dali, esteja das mais limpas — inclusive há projetos atentando para isso, como o Navegando nas Artes, que promove passeios com barcos à vela com o intuito de conscientizar a comunidade das margens da Billings sobre a importância da água. Independente das adversidades, a atmosfera que se preservou ali é rara.

Seguimos nosso roteiro guiadas pelo Jai, ou Jaison Pongiluppi Lara, jovem educador e permacultor nativo da ilha, que nos explica que hoje são muitos os roteiros caminháveis (ou de bike) possíveis de se fazer no Bororé: SP Inesperada; Rota do Cambuci; Ecoturismo na Zona Sul de SP; Grajaú, Arte e Cultura; Bike pela Margem. Houve também, na gestão Haddad, um incentivo ao turismo controlado na área. Para quem tem dúvidas, o ponto de partida, Jai nos conta, é a Ecoativa.

Nossa próxima parada é a escola estadual Professor Adrião Bernardes, que realiza atividades em parceria com a Casa Ecoativa, e onde um projeto de mapa da região está sendo coordenado por um professor da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), Jorge Bassani, junto aos alunos. Há outros mapas feitos também pelas crianças na Ecoativa, fruto dos projetos Cartograffiti e Imargem, conta o artista e educador Tim. A ideia, em ambos os casos, é explorar com os alunos o entendimento da localização.

Seguimos nossa visita com uma ida até o sítio onde está ocorrendo uma festa tradicional para as crianças. Com cambuci e cajá no quintal, logo nos recomendam que visitemos a cozinha de Catarina, dona do sítio junto ao marido, André. Há 35 anos no bairro, ela — que antes vivia na Cidade Dutra — diz não se arrepender da mudança, enquanto pede que sentemos à mesa e provemos alguns dos doces que ela faz ali: o de cajá (bem espesso), o de mamão, o de melancia e o de carambola são só alguns.

Finalizamos conhecendo o Bar do Edinho, ponto tradicional local, bem ao lado da Capela de São Sebastião — que Jai nos conta ser preservada menos com um olhar religioso e mais histórico. O boteco e mercearia de 130 anos (!) é uma viagem no tempo onde, enquanto um cachorro preguiçoso dorme na porta, se serve uma saborosa cachaça de cambuci, mais levinha como um licor, armazenada em garrafões por ali.

Terminada a tarde, fica para uma nova visita à Ilha a ida ao Sítio do Paiquerê, um dos pontos mais famosos do local. Com uma construção de arquitetura modernista com piscinas, vista para a represa, diversas hortas e café da manhã servido com os alimentos cultivados ali, ao ouvir os relatos dos meus anfitriões tive certeza de que o local merecia mais do que a meia hora que ainda tinha na região.

Para quem quiser conhecer a ilha: no dia 18 de agosto vai ser realizado o Arraiá Agostino, com diversas atividades das 16h às 23h. Para saber mais sobre o Bororé, vale também ler esta reportagem e assistir ao vídeo recente do programa Manos e Minas.

Errata: O texto foi alterado na terça-feira (31) às 23h30 corrigindo o nome da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Sobre a autora

Adriana Terra é jornalista e gosta de escrever sobre a cidade e sobre cultura. É co-criadora da série “Pequenos Picos”, mapeamento afetivo de comércios de bairro da capital paulista, e mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP, onde pesquisa lugares e modos de vida. Foi criada em Caieiras e há 15 anos vive no centro de São Paulo. Na zona noroeste ou na Bela Vista, sempre que dá, prefere ir caminhando.

Sobre o blog

Dicas de lugares, roteiros, curiosidades sobre bairros, entrevistas com personagens da cidade, um pouquinho de arquitetura e mais experiências em São Paulo do ponto de vista de quem caminha.

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