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Zona Cerealista pode deixar o centro; antes, dê um pulinho na região

Adriana Terra

14/05/2018 09h56

Crédito: Gabriel Cabral / Folhapress

Atravessar a praça da República, seguir pela avenida Ipiranga, descer a Senador Queirós, observar as barracas de verdura improvisadas pela comunidade coreana intercalando com as de espetinho que enchem de fumaça as calçadas nos finais de tarde: esse roteiro sempre me pareceu fazer parte de um pacote que vai além de comprar produtos bons e baratos na Zona Cerealista de São Paulo. O percurso acompanha uma versão da cidade na qual eletrônicos chineses, cerâmicas turcas, tecidos africanos, queijos mineiros, biscoitos nordestinos, vinhos portugueses e uma socialização brasileira vão se organizando em uma mesma geografia.

Fiquei sabendo recentemente que o complexo de armazéns vizinho ao Mercadão pode deixar o local. O motivo é um projeto de privatização do Governo do Estado para o Ceasa que engloba também os comércios do Brás: nas quatro propostas apresentadas, eles saem do centro. A ideia é que esse conglomerado se conecte ao Rodoanel, entre o extremo oeste e o norte, com a justificativa de facilitar os descarregamentos e diminuir o trânsito no meio da cidade (esta análise publicada no blog da urbanista Raquel Rolnik contesta o motivo). Ainda não dá pra saber como seria o acesso para o usuário de transporte público — entre duas estações de metrô e ao lado de um terminal de ônibus, a localização no centro é boa mesmo para quem mora longe dele.

Conversando com o historiador Lucas Lara, um dos coordenadores de  "Armazém do Brasil — Memórias do Comércio da Zona Cerealista", ele conta que já se sabia do plano de mudança durante a produção do livro que documenta a região. "O que pudemos perceber é que existe um impasse entre os próprios comerciantes: para alguns, o centro não é mais um local ideal para atividades comerciais voltadas ao abastecimento de alimentos por não permitir a livre circulação de caminhões ou não possuir infraestrutura adequada. Já outros acreditam que a saída prejudicaria e muito o comércio da região, que tem buscado se transformar e adotar um perfil mais varejista e especializado, de turismo gastronômico", explica.

Para quem se interessa pelo local, a publicação coorganizada por ele é parte de uma coleção do Museu da Pessoa sobre o comércio na cidade. Entre relatos pessoais e contextualizações históricas, ela traz informações sobre as origens da região em 1900, fala sobre a ligação com a ferrovia e com os rios que correm sob a cidade, destaca a importância das negras quitandeiras do século 19 para o comércio e como resistência, fala sobre hábitos alimentares e camadas de migrações que o Brás envolve, além de situar como se deu a violenta divisão territorial com base em raça e classe que moldou a cidade. Ao falar da Zona Cerealista, não há escapatória: fala-se demais sobre São Paulo.

Aos que conhecem ou não a região, vale dar um pulo enquanto é tempo, seja pela possibilidade de comprar produtos de diversos cantos, em sua maioria a granel e por preços mais convidativos que os mercados municipais, seja pela caminhada — como a que eu descrevi no início do texto — pelo entorno em si. Abaixo, um mapa com algumas sugestões de lugares para se conhecer por lá (com parada obrigatória para um pastel com caldo de cana inclusa), feito com colaboração do Lucas e ilustração do artista MZK.

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Sobre a autora

Adriana Terra é jornalista e gosta de escrever sobre a cidade e sobre cultura. É co-criadora da série “Pequenos Picos”, mapeamento afetivo de comércios de bairro da capital paulista, e mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP, onde pesquisa lugares e modos de vida. Foi criada em Caieiras e há 15 anos vive no centro de São Paulo. Na zona noroeste ou na Bela Vista, sempre que dá, prefere ir caminhando.

Sobre o blog

Dicas de lugares, roteiros, curiosidades sobre bairros, entrevistas com personagens da cidade, um pouquinho de arquitetura e mais experiências em São Paulo do ponto de vista de quem caminha.

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