A importância das "zonas de tropeço" em São Paulo
Adriana Terra
18/02/2019 11h47
Conheci a expressão do título por meio de um livro do arquiteto italiano Francesco Careri, autor de "O Caminhar como Prática Estética", e ela fez sentido imediato para mim, como se fosse uma tradução de algo que muitas vezes vivi nas cidades, especialmente em São Paulo.
Zonas de tropeço, lugares em que um percurso preestabelecido, um caminho, é intermediado por algo novo que teve leva a um lugar onde você não imaginava estar, onde dá vontade de ficar um pouco, conhecer mais, onde dá vontade de estar.
Tantos comércios, casas de pessoas, ruas conheci assim. Para lembrar de algumas que gosto bastante: a Travessa dos Desenhistas e a Vila Adelaide, em Campos Elíseos, lugares em que a arquitetura das casinhas, o ritmo da costura que vem de uma garagem, o sono do cachorro na porta de casa parecem uma quebra no tempo, bem ao lado do Minhocão, de terminal de ônibus, barulho demais, carro demais.
Vila Adelaide. Foto: Google Street View
Já a Travessa dos Arquitetos, no Bexiga, passei pela primeira vez como em um desvio, observando as casas, as diferenças sociais, culturais, as pensões com flores e os sobradinhos com porta de ferro e alarme. A gente fala tanto sobre cortar caminho, que é um conceito que faz muito sentido quando se anda a pé, mas esticar caminho também é legal. Vira e mexe me pego esticando caminho para passar por ali.
Uma zona de tropeço sobre a qual falei no blog, recentemente: conheci a Livraria Simples dessa forma, caminhando pela rua Rocha sem pretensões, entrando ali como quem entra para tatear, sem indicação.
Me parece que zonas de tropeço têm a ver mais com um espírito de curiosidade e de abertura para o que a cidade pode trazer, um conhecimento urbano, venha ele em forma de pessoas, lugares, um mural bonito que te chamou a atenção, uma árvore centenária que te desviou da sua rota voltando para casa, um amigo que te convida para um programa no meio do caminho. Valorizando o acaso, a mágica da rotina.
Garagem na avenida Nove de Julho.
Em uma cidade com aspecto de durona, em que parece que se programar é a grande chave, ser menos programado, por vezes, pode ser um exercício interessante.
Sobre a autora
Adriana Terra é jornalista e gosta de escrever sobre a cidade e sobre cultura. É co-criadora da série “Pequenos Picos”, mapeamento afetivo de comércios de bairro da capital paulista, e mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP, onde pesquisa lugares e modos de vida. Foi criada em Caieiras e há 15 anos vive no centro de São Paulo. Na zona noroeste ou na Bela Vista, sempre que dá, prefere ir caminhando.
Sobre o blog
Dicas de lugares, roteiros, curiosidades sobre bairros, entrevistas com personagens da cidade, um pouquinho de arquitetura e mais experiências em São Paulo do ponto de vista de quem caminha.