Projeto documental sobre vilas operárias de SP discute afeto e patrimônio
Na Vila Maria Zélia, a manicure Rita diz que ali o tempo corre de outra forma. "É como se eu estivesse em Minas". Não muito longe, na Vila Cerealina, Zelinda tira o acordeon da caixa e se emociona ao dedilhar as notas, contando que "não aprendeu a ler música, mas aprendeu a tocar". Do outro lado da cidade, em Perus, um morador da Vila Triângulo fala sobre as reivindicações nos anos 1960 em uma "fábrica bruta" onde "se comia pó", e sobre o alento do bom convívio entre funcionários.
Esses fragmentos conectam histórias surgidas no interior de vilas operárias paulistanas, lugares onde se morava, trabalhava e vivia, retratadas no projeto Entrevilas. O webdocumentário que acaba de ser lançado foi feito ao longo de três meses por profissionais de diversas áreas — jornalistas, designers, arquitetos, historiadores e fotógrafos — em uma produção em parceria do Estúdio Crua com o Centro de Pesquisa e Formação do Sesc.
"Eu e a Marcia [Mansur] fizemos um projeto chamado 'Som dos Sinos', de patrimônio e novas mídias, que ganhou vários prêmios, e daí veio a demanda por cursos sobre narrativas transmídia", conta Marina Thomé, do Crua. Após iniciativas de webdocs realizados durante hackatons, veio a vontade de desenvolver algo mais longo. "Fizemos um chamado aberto e fechamos um grupo multidisciplinar de 17 pessoas".
Abordando origem e destino de 5 vilas (Maria Zélia e Cerealina, na zona leste; Economizadora e Itororó, na região central; e Triângulo, na zona noroeste), o projeto fala sobre patrimônio, lutas trabalhistas, afeto, criando uma espécie de vila imaginária interativa. No site, um mapa mostra a localização delas, dos rios e das antigas ferrovias na cidade. Conta a história de cada espaço, a qual fábrica pertencia. Traz reflexões sobre arquitetura, ocupação dos lugares, trabalho e direito à cidade, mostrando que a história não se faz só na preservação de edificações, mas nas trajetórias de quem passou por ali — e também na experiência e significação dos novos moradores.
"Quais os personagens envolvidos neste processo? Engenheiros, empreiteiros, operários, imigrantes e migrantes que construíram o ambiente não são mais importantes que os moradores e habitantes que convivem e desconhecem o passado do ambiente. Afinal de contas, qual o sentido de um sítio histórico se sua trajetória não pode ser identificada e propagada?"
Na vila da fábrica de cimento em Perus, ficamos sabendo mais sobre a greve dos queixadas e tomamos conhecimento do movimento pela reapropriação do local para criação de um centro de lazer, uma universidade livre e um instituto de pesquisa, tudo destinado aos moradores de uma região periférica da cidade. Já na central Vila Itororó, na Bela Vista, é discutido o uso público por meio de um projeto que administrava o lugar até março, após a desapropriação do local como moradia. Na Vila Economizadora, acompanhamos o relato de uma trabalhadora paraguaia que hoje vive ali.
"A ideia do webdoc é ser uma ferramenta também de mobilização social, gerar conversa sobre a cidade", diz Marina.
Quer conhecer as vilas? Vilas Cerealina (entre as ruas Fernandes Vieira, Herval, Álvaro Ramos, e Júlio de Castilhos) e Maria Zélia ficam a 30 minutos de caminhada uma da outra e o passeio é uma forma de conhecer mais o bairro do Belém. Da Vila Itororó (é fechada; vale consultar o site para saber sobre os horários de abertura) até a Economizadora, o trajeto a pé dura em torno de uma hora pela av. da Liberdade, Sé, Rua Cantareira e região do Mercadão. Em Perus, não é possível conhecer a vila, mas é possível se informar sobre o movimento que envolve sua resignificação por aqui.
Para ver o projeto e se inspirar, acesse: www.entrevilasdoc.com.br
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