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O que a gente busca em uma festa junina vivendo em São Paulo?

Adriana Terra

10/06/2019 10h06

Teto do galpão da festa do Centro de Tradições Nordestinas, no bairro do Limão

"Eu acho que está acontecendo com as festas juninas um pouco o que aconteceu com o Carnaval de rua em São Paulo", comentou uma amiga, depois de eu contar da fila que havia acabado de pegar em uma quermesse perto de casa, a fim de comprar um quentão e um pastel. Não eram nem 18h e já havia gente esperando do portão para fora.

O pastel de feira que eu encontro em um monte de lugares a qualquer hora, o quentão que sei reproduzir mais do meu gosto em casa: por que pegar uma fila pra isso? A festa que mencionei é simples, conta com umas seis barracas de comida e um palco com atrações pouco conhecidas, além de uma caixa de som tocando um sertanejo pop antes dos shows.

Claro que existem festas juninas de todos os tipos em São Paulo: algumas com ótimo forró, grandes quadrilhas, correio elegante agitado, muitas prendas. A cidade é grande, plural, e há diversas formas de festejar os santos de junho. Nascida em noite de Santo Antônio, para mim sempre foi a festa mais especial: na rua da casa da minha infância, a celebração tinha a via fechada, muita biriba, fogueira e alguém emprestava uma garagem de parede de reboco, aberta, para colocar os comes e bebes, que eram dos mais variados. Tinha churrasco também.

Olhando a programação de festas gratuitas da cidade neste ano, para além dos arraiás de clubes e das quermesses de igrejas, vi que tem festa na rua, bumba-meu-boi, repente. Me lembrei ainda de colegas de outros cantos do Brasil que volta e meia fazem suas festas juninas, caprichadas, cheias de lembrança bonita de outras geografias.

No entanto, mesmo as festas juninas mais modestas já fazem o olhinho de muito paulistano (ou morador da cidade) brilhar. "Me convidem pra quermesses", diz o tema de foto de perfil do Facebook, com imagem de paçoca, pamonha e bolo de milho — embora até pizzinha e hot dog façam sucesso nesses eventos, não vamos mentir.

O que faz dessas celebrações especiais? Tentando entender por que eu desviei meu caminho no sábado para entrar nessa fila, acho que tem a ver com um clima de festa de vizinho com prato de doce e de salgado, de festa de quintal, agradável tanto para a adolescente de cropped quanto para a tia-avó de blusão de lã, que parece mais raro — embora nunca tenha deixado de existir — na lógica de prédio, condomínios, bar da moda ou shopping. Tanto é que mesmo esses lugares por vezes buscam reproduzir, de um jeito meio duro, esse tipo de festa.

A fichinha, a senhora que prepara a carne louca demoradamente, as pessoas conversando em roda enquanto assopram seu vinho quente: tem uma característica descomplicada, sem firula e mais comunitária, presente tanto nessas quanto em outras celebrações populares que persiste mesmo quando falta pinhão ou a fogueira demora para acender, ou então a banda de forró veio do Butantã mesmo, e não da Paraíba.

Me parece que a tentativa de fazer a festa junina rolar, impulsionada por aquilo que vinculamos à ela, seja como lembrança ou como imaginação, pode nem sempre render a quermesse mais autêntica (e aí cada um reclama segundo seu critério), mas ela é o olhinho que brilha na busca por uma. "Me convidem pra quermesses" é um pedido que faz sentido em São Paulo.

Tradicional arraiá do CTN, no bairro do Limão

Conhece a origem desses festejos?

No livro "Almanaque Brasilidades", o historiador carioca Luiz Antonio Simas conta assim: "No Hemisfério Norte, as celebrações relacionadas às fogueiras e demais ritos do fogo marcavam o solstício de verão e a evocação de divindades propiciadoras da fartura em tempos de colheita. Essa herança pagã fundiu-se ao cristianismo popular e se apresenta com força especial nas festas de Santo Antônio, São Pedro e São João. Chegando ao Brasil com a colonização portuguesa, o culto aos santos juninos foi redimensionado e vitalizado ao entrar em contato com elementos indígenas e africanos. É ainda fortemente ligado ao Brasil agrário, marcando o ciclo inicial da colheita do milho, as rogações contra a seca e desdobra-se em celebrações da vida (…)".

Mais sobre festas juninas:

Guia da Folha – Festas juninas para o mês inteiro

Mural – Fora do centro, festas mantêm tradição de quermesse

UOL Comidas e Bebidas – Receitas de festa junina

Sobre a autora

Adriana Terra é jornalista e gosta de escrever sobre a cidade e sobre cultura. É co-criadora da série “Pequenos Picos”, mapeamento afetivo de comércios de bairro da capital paulista, e mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP, onde pesquisa lugares e modos de vida. Foi criada em Caieiras e há 15 anos vive no centro de São Paulo. Na zona noroeste ou na Bela Vista, sempre que dá, prefere ir caminhando.

Sobre o blog

Dicas de lugares, roteiros, curiosidades sobre bairros, entrevistas com personagens da cidade, um pouquinho de arquitetura e mais experiências em São Paulo do ponto de vista de quem caminha.

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