Topo

Histórico

Categorias

Blog SP a Pé

Webdoc borra fronteiras entre Osasco e Pinheiros a partir da linha do trem

Adriana Terra

03/06/2019 17h40

A linha Esmeralda da CPTM, a linha 9, vai do Grajaú, na zona sul, até Osasco, à oeste da capital, passando por Pinheiros. Foi pensando no trajeto desse bairro paulistano do centro expandido até o município vizinho que nasceu o webdoc Itinerâncias, mostrando histórias de vida nessas duas regiões, costuradas pelo trânsito e pelo imaginário do trem.

A iniciativa é do Estúdio CRUA, que realizou webdocs como Expresso Pinheiros e Entrevilas dentro do projeto Cartografias Urbanas, e foi feita durante o FestA!, evento do SESC. Foram as unidades da instituição existentes nesses locais que serviram de base para o projeto. Em uma semana, realizadores de origens e profissões variadas percorreram os bairros, ouviram pessoas, descobriram comércios, acompanharam artistas nas ruas e andaram muito de trem para entender as percepções da cidade de quem circula por — ou entre — esses dois espaços, separados por 16 km de distância.

"A ideia era criar uma ponte entre Osasco, município na região metropolitana que teve grande parte de sua ocupação urbana após a construção da estação ferroviária de Pinheiros [em 1957], e este que é considerado o primeiro bairro paulistano e hoje concentra 11% do comércio da cidade", conta Marina Thomé, do Crua.

A gente partiu dos seguintes questionamentos: o que conecta afetivamente estes espaços? Quais são as travessias feitas em nossa relação com a cidade? E se pudéssemos reinventar o mapa da cidade, redefinir centralidades e traçar outros percursos? – Marina Thomé (Estúdio CRUA)

Uma das realizadoras do webdoc, a produtora Ana Campos, 32 anos, sempre teve curiosidade em relação ao município vizinho. "Minha família mora em Santana de Parnaíba e Osasco sempre foi um lugar de consumo pra mim. É uma cidade em que eu só ia, consumia e saía, então fiquei com vontade de entender melhor. E sinto que o pessoal de Osasco, ao mesmo tempo em que tem um orgulho do lugar, tem um pouco de reticência — tem aquele meme 'as tretas de Osasco'… E nessa pesquisa eu descobri que o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Osasco é maior que o de algumas capitais, descobri que o nome vem do italiano, descobri muita coisa", conta ela.

Ana foi uma das pessoas que filmou sobre os trilhos. "O trem é uma maneira de transporte muito específica — o ritmo, os lugares por onde ele segue. Toda essa viagem passa por diversas áreas de São Paulo e acho que fala muito sobre nossa cidade: o que é morar na periferia e trabalhar em uma Vila Olímpia, e o que é morar em outro município? Quando você fala com uma pessoa que mora longe, isso vai ter um impacto no jeito que ela vê a cidade", diz ela. "E eu tenho uma coisa muito forte com a velocidade do trem, principalmente quando você sai de uma integração com o metrô e então entra no trem e tem aquele chacoalhar que dá sono, tem os vendedores."

O webdoc tem um formato interativo: no site, a estética é de uma linha de trem, e as estações são imagéticas, não são reais. Sendo assim, o conteúdo acessado a partir delas é editado por temas e não por lugares. Na estrutura narrativa, tanto faz se estamos no Largo da Batata ou no Largo de Osasco, embora seja possível, para quem conhece, identificar as peculiaridades de cada local. Pechincha, Andanças, Fronteiras e Contrafluxos foram os nomes escolhidos para as paradas. Histórias do comércio, de quem está na rua fazendo os trajetos, de quem percorreu um caminho diferente do padrão. Clicando nos botões dessas estações, conhecemos um artista que faz cartazes de supermercado e gosta de tocar violão ("arte forma caráter também. Eu tenho que emocionar: tocar qualquer um toca", diz ele), um paisagista que criou uma horta urbana. Conhecemos um casal envolvido com a Folia de Reis em Osasco, ficamos sabendo de um grupo de skatistas mulheres que decidiu se unir para se fortalecer no esporte. Em um papo com um poeta da cidade vizinha, ouvimos finalmente a alcunha "Cidade de Oz" — quem nunca escutou?

Criando um elo entre os personagens, as pessoas respondem a uma mesma pergunta: para que local e/ou época gostariam de ir? "Eu voltaria para 1999 pra ter meu irmão de volta", fala o MC do trem. "Israel, acho que vai me aproximar do senhor Jesus", diz um senhor. "O rolê é ser humano, então acho que o futuro é isso", reflete o saxofonista que toca nas ruas.

"No final, as pessoas falam sobre coisas em comum: têm incômodos em comum, lembranças em comum. E eu acho que dentro do trem essas questões se expandem: você está cruzando fronteiras entre municípios, você tem pessoas que vão totalmente contra o fluxo do que a sociedade espera", conta Ana.

No trem, a gente tem a impressão do quanto nossa cidade é grande, o quanto ela exige que você caminhe, ande muito para que a conheça – Ana Campos [co-realizadora]

O webdoc "Itinerâncias" pode ser assistido aqui e vale cada segundo da viagem — mas se você der algumas 'pescadas' ou desviar o olhar para outros caminhos a partir dele, tudo bem também: faz parte do ritmo e da experiência proposta: www.itineranciasdoc.com.br

Sobre a autora

Adriana Terra é jornalista e gosta de escrever sobre a cidade e sobre cultura. É co-criadora da série “Pequenos Picos”, mapeamento afetivo de comércios de bairro da capital paulista, e mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP, onde pesquisa lugares e modos de vida. Foi criada em Caieiras e há 15 anos vive no centro de São Paulo. Na zona noroeste ou na Bela Vista, sempre que dá, prefere ir caminhando.

Sobre o blog

Dicas de lugares, roteiros, curiosidades sobre bairros, entrevistas com personagens da cidade, um pouquinho de arquitetura e mais experiências em São Paulo do ponto de vista de quem caminha.

Blog SP a Pé