Por que o passo e o cotidiano são bons exercícios para viver as cidades
Embora muito se fale dos deslocamentos, talvez o exercício que mais demande atenção da gente hoje seja o da presença. Estar em um local e conseguir enxergar a nossa volta, dar o tempo necessário para o repouso do olhar, para que as sensações venham, o corpo se aclimate, os movimentos se tornem mais leves, para que se ouça melhor, para curtir as zonas de tropeço. Tipo quando a gente acorda em uma claridade intensa e o olho precisa de um tempo para se acostumar.
Exercício difícil, acho ele primo do cotidiano e do andar a pé.
Cotidiano como forma de entender e viver as cidades — sejam aquelas onde a gente mora ou as que a gente visita — é uma coisa muito legal porque não quer dizer exatamente monotonia, marasmo, senso comum que às vezes vendem pra gente como algo a não se seguir: "faça diferente", "largue tudo e dê a volta ao mundo", "cada semana em uma cidade, cada mês em um país". Conhecer o mundo e não conhecer nosso entorno, não tem nada de novo nisso. Você pode viajar várias vezes para uma cidade e ela não ser a mesma, e você pode viajar para vários cantos do mundo e eles podem parecer iguais.
Andar a pé como uma forma de olhar, o passo marcando nosso "desenho no tempo" (surrupiado de uma frase de Borges que me foi apresentada por uma amiga, a Vânia) e sendo janela para outras sensações também está nesse cotidiano ao qual me refiro, porque é algo potente travestido de banal, algo que você pode fazer em qualquer lugar e que não custa nada. O que, então, teria de tão revelador nisso?
Tendo a achar que a forma como a gente cria e recria nossa rotina, as atividades com as quais a preenchemos, é mais importante, ou mais interessante, do que a forma como a gente a "quebra". O traço que a gente não apaga, mas contorna, puxa uma linha e forma novos desenhos, rasura para criar um desenho grandão, se afasta um pouquinho e enxerga um desenho maior, uma construção. "A vida em seus métodos diz calma", já dizia Di Melo.
Com cada vez mais estímulos, e sendo obrigados a dançar conforme a música do mundo porque é aqui que a gente está, me parece que vai ficando raro a gente encontrar nosso ritmo nele. Admiro quem consegue, onde quer que se esteja, desenhar o cotidiano, com as variações e as repetições do seu agrado, bem como quem deixa o passo correr mais solto. Aí a dança, e o desenho, são mais bonitos.
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