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A Virada Cultural também é o que acontece entre um show e outro

Adriana Terra

20/05/2019 10h30

Arte: MZK

Devo começar dizendo que esse não é um texto de cobertura da Virada Cultural. Não vai ter crítica de show, debate sobre som de palco, segurança ou balanço do que ocorreu no evento (para isso, há essa reportagem aqui). Esse texto é uma percepção sobre o projeto, sobre colocar tanta coisa no espaço público em 24 horas, sobre criar esse lugar de acontecimentos. E sobre a gente pôr o pé na rua, caminhar, que são assuntos desse blog.

A Virada é um evento com uma série de shows e atrações, palcos grandes difíceis de acessar, mas a Virada é também um espaço das situações que acontecem nos percursos entre uma programação e outra, das miudezas, do acaso, do inesperado que pode acometer mesmo os mais organizados munidos de suas agendas de atrações. É espaço da apresentação de duas bailarinas no caminho entre Rincón Sapiência e Caetano Veloso, da big band tocando em frente ao Municipal, do trio de DJs da velha guarda do rap empolgando as pessoas na Sete de Abril, do samba na voz de Fabiana Cozza que ecoa na rua Direita, das projeções nos prédios da Líbero Badaró, do funk dos rádios dos ambulantes.

É espaço também do choque que não tem nada de romântico: de classes, jeitos de ver e viver o mundo. Do tanto de gente de look do dia e celular do ano frente ao tanto de gente em situação de rua (que, agora achando brechas nesse discurso, por vezes também curte as atrações). Seria bom se o choque fosse educativo, porque as ruas também são "humanizadas" por quem está ali todo dia do ano, mas em condições precárias — e artistas fizeram falas importantes referente a isso nos palcos. De toda forma, acredito sempre mais no convívio do que na distância.

A Virada são os poucos shows que a gente vê, os muitos shows que a gente perde, e os shows, os conhecidos, as situações que a gente ganha entre uma coisa e outra. Claro que dá para ir em um palco mais tranquilo, nas bordas do mapa da Virada no centro da cidade (ou mesmo fora da região) e ver três, quatro apresentações completas na sequência, e isso ser super legal. Mas sempre senti que a tônica do evento é a circulação, um movimento em que a gente vê muitos pedaços de shows. Se pode ter uma superficialidade nisso, e a insatisfação em não ter visto mais do que a gente queria, pode ter também uma satisfação em conhecer coisas, reencontrar outras, costurar com olhares, conversas esses pedacinhos de artistas cantando sons que a gente gosta na nossa cabeça.

"A gente mais caminha do que qualquer outra coisa", me disse um conhecido após nos darmos conta de que era uma tarefa complicadíssima chegar perto do palco que queríamos. "Você só aproveita a Virada quando aproveita esses trajetos", concluiu uma colega. "Tô entendendo que o esquema é não combinar para conseguir encontrar as pessoas", brincou outro amigo, em seu primeiro ano no evento.

Claro que nem todo trajeto é legal: no ano passado, fiquei presa com duas amigas no público de um show gigante que eu realmente não gostaria de ver e, embora tenham surgido situações divertidas, também foi meio chato. Mas foi mais um erro de planejamento mesmo. Ao fim, pegamos um trecho bem lindo do que gostaríamos de ver.

Muito já se falou sobre dividir o projeto da Virada ao longo do ano, e também sobre descentralizar mais a programação. Entendo esses argumentos, porque a cidade é grande e tem gente o ano todo produzindo cultura nela — lembrando que existe ainda o SP na Rua. Mas também sou bastante convencida da importância de ver pessoas de todos os cantos circulando pela região central em uma noite com uma série de acontecimentos. Já ouvi que só não circula pelo centro quem tem medo da região, quem é burguês do centro expandido, mas conheço muita gente de bairros afastados que conhece pouco dali também.

Em 2017, ano em que a primeira Virada sob a gestão Dória teve modificações grandes que tiraram muitas atrações do centro e levaram para lugares como o Jockey Clube e Interlagos, lembro de ter circulado e me sentido bem triste em ver como a região estava tão vazia. Ainda assim, lembro de um sujeito dançando ao som de uma música latina, em uma manhã de chuva fina paulistana, que me fez lembrar exatamente por que eu gosto da Virada.

Sobre a autora

Adriana Terra é jornalista e gosta de escrever sobre a cidade e sobre cultura. É co-criadora da série “Pequenos Picos”, mapeamento afetivo de comércios de bairro da capital paulista, e mestranda em Estudos Culturais na EACH-USP, onde pesquisa lugares e modos de vida. Foi criada em Caieiras e há 15 anos vive no centro de São Paulo. Na zona noroeste ou na Bela Vista, sempre que dá, prefere ir caminhando.

Sobre o blog

Dicas de lugares, roteiros, curiosidades sobre bairros, entrevistas com personagens da cidade, um pouquinho de arquitetura e mais experiências em São Paulo do ponto de vista de quem caminha.

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