Caminhar em grupo amplia ou estreita o horizonte urbano?
Sempre fui de caminhar muito sozinha, então confesso que demorei a participar de caminhadas que hoje acontecem com frequência não só para turistas, mas para moradores saberem mais da história urbana, discutirem a formação do espaço — como vêm ocorrendo roteiros fundamentais nesse mês. Andar junto a uma galera era praticamente o oposto do que eu mais gostava sobre estar a pé na cidade: ter autonomia, escapar por uma rua que não havia previsto, parar em um mercadinho qualquer, me misturar no fluxo da multidão, descobrir paisagens novas.
No entanto, no último ano tenho feito diversas caminhadas com amigos e também com grupos de pesquisadores de áreas variadas que têm me mostrado um outro lado de estar com uma galera, a pé, em uma cidade pouco amigável para o pedestre.
Em primeiro lugar, é isso: você está com um povo todo na rua, o que dá uma força coletiva até mesmo quando vai atravessar na faixa e os carros, que fosse apenas você seguiriam em frente, são obrigados a parar. É quase como se esse novo corpo criado conseguisse enfrentá-los melhor.
Em segundo, se andando sozinha você ganha certa invisibilidade e independência, andando em grupo você ganha outros pontos de vista, outras percepções, ainda mais se esse grupo for plural. A cidade de São Paulo, com sua estrutura segregadora, não impacta todo mundo do mesmo jeito, e embora esse assunto esteja hoje mais em pauta, nem sempre a gente reflete sobre ele no nosso dia a dia — especialmente se estivermos cobertos de privilégios facilitadores de acessos.
Se esses roteiros organizados com dez, quinze pessoas que não se conhecem direito ainda te parecem uma bolha em que as pessoas estão isoladas pouco se afetando pela cidade, o que de fato pode ocorrer, vale chamar amigos para dar um rolê a pé. Encontrar-se para ir a algum lugar a uma distância caminhável (que conjugue tempo e infraestrutura) em que iriam, só que não de ônibus, metrô ou carro, mas andando.
Muitas vezes em que fiz isso, percebi que o próprio trajeto se tornava parte essencial do programa, com descobertas no caminho, detalhes e situações que dispararam conversas. Teve também ocasiões em que, de fato, apenas o trajeto foi o programa, o que os viciados em andar a pé entenderão. Na verdade, basta pensar: por que fazemos isso quando viajamos, e não onde vivemos?
Muita gente fala: mas demora muito mais tempo. Ou é cansativo. Nem sempre, levando em conta o trânsito, o transporte lotado nos horários de pico. Se não houver pressa para chegar, não é preciso correr, o que a gente até esquece, já que a rotina da cidade impõe um ritmo acelerado a todos. No sábado e no domingo, ainda é preciso correr?
E ganhar espaço, sentir a cidade no pé, vale sempre a pena, mesmo quando a cidade é complexa, cheia de obstáculos e desigualdades. Aliás, justamente para entender essa complexidade caminhar ajuda — uma pena que quem saiba melhor dela ande a pé não por escolha, mas falta de opção, enquanto quem a ignore e precisaria conhecê-la esteja tão longe da experiência da rua.
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